SL - 35 A METRÓPOLE BRASILEIRA NA TRANSIÇÃO URBANA

2013 
O destino das metropoles esta no centro dos dilemas das sociedades contemporâneas. As transformacoes tecnologicas, sociais e economicas em curso desde a segunda metade dos anos 1970, em especial as decorrentes da globalizacao e da re-estruturacao socioprodutiva, aprofundaram a dissociacao engendrada pelo capitalismo industrial entre progresso material e urbanizacao, economia e territorio, Nacao e Estado. Segundo previsoes de organismos internacionais, em 2015 teremos 33 aglomerados urbanos do porte de megalopoles, entre as quais 27 estarao localizadas em paises em desenvolvimento, sendo que apenas Toquio sera a grande cidade do mundo rico. Por outro lado, enquanto boa parte das metropoles do hemisferio sul continuara a conhecer taxas explosivas de crescimento demografico, dissociadas do necessario progresso material, aquelas que concentram as funcoes de direcao, comando e coordenacao dos fluxos economicos mundiais encolherao relativamente de tamanho. Teremos entao duas condicoes urbanas: a gerada pela vertiginosa concentracao populacional em grandes cidades nos paises que estao conhecendo o processo de des-ruralizacao induzido pela incorporacao do campo a expansao das fronteiras mundiais do espaco de circulacao do capital, e a condicao urbana decorrente da concentracao do capital, do poder e dos recursos de bem-estar social. Ao mesmo tempo, apesar do aumento das assimetrias, as metropoles aumentaram seu papel indutor do desenvolvimento economico nacional, como ja mostraram trabalhos classicos como de J. Jacobs (1969) e pesquisas sobre a relacao entre globalizacao e as metropoles (VELTZ, 1996; 2002). Para que as metropoles, porem, sejam mais do que mera plataforma de atracao de capitais, mas, ao contrario, constituam-se em territorios capazes de re-territorializar a economia, e de impedir o aprofundamento da disjuncao entre Estado e Nacao e necessario que contenham os elementos requeridos pela nova economia de aglomeracao da fase pos-fordista, entre os quais se destacam os relacionados aos meios sociais germinadores da inovacao, confianca e da coesao social. A reducao dos custos da distância e das vantagens pecuniarias - produto da revolucao dos meios de transportes e comunicacao e dos novos sistema de gestao empresariais - contam hoje menos do que os efeitos de aglomeracao decorrentes da densificacao das relacoes sociais, intelectuais e culturais. Estudos mostram que as metropoles onde prevalecem menores indices de dualizacao e de polarizacao do tecido social sao as que tem levado vantagens na competicao pela atracao dos fluxos economicos, ou seja, as que recusaram a logica da competicao buscando oferecer apenas governos locais empreendedores e as virtudes da mercantilizacao da cidade. O nosso sistema urbano, apesar dos desequilibrios, constitui-se em importante ativo para o desenvolvimento nacional. Esses GEUBs considerados metropolitanos tem enorme importância na concentracao das forcas produtivas nacionais. Elas centralizam 62% da capacidade tecnologica do pais, medida pelo numero de patentes, artigos cientificos, populacao com mais de 12 anos de estudos e o valor bruto da transformacao industrial (VTI) e de empresas que inovam em produto e processo. Ao mesmo tempo, nestas 15 metropoles estao concentrados 55% do valor da transformacao industrial de empresas que exportam. Temos, portanto, um sistema urbano que pode ser considerado como importante ativo para um projeto de desenvolvimento nacional, frente as novas tendencias de transformacao do capitalismo. Mas, ao mesmo tempo nelas tambem estao concentrados os grandes desafios a serem enfrentados, na forma de passivos resultantes de modelo de urbanizacao organizado essencialmente pela combinacao entre as forcas de mercado e um Estado historicamente permissivo com todas as formas de apropriacao privatista da cidade. Nao se trata apenas de constatar e procurar entender a ausencia do planejamento governamental no acelerado e intenso processo de urbanizacao, que transferiu para as cidades 8 milhoes de pessoas na decada de 1950, 14 milhoes na de 1960 e 17 milhoes na de1970. A omissao planejadora do Estado decorreu da utilizacao da cidade como uma especie de fronteira amortizadora dos conflitos sociais inerentes ao capitalismo concentrador e excludente que aqui se implantou. Por este motivo, as metropoles estao hoje despreparadas material, social e institucionalmente para o crescimento economico baseado na dinâmica da inovacao, da economia do conhecimento e da eficiencia, que mobiliza nao apenas a logica do mercado, mas os efeitos positivos da coesao social. Nelas esta conformado um conjunto de passivos, cujo enfrentamento e imperativo para que a forca produtiva representada pela complexidade da nossa rede urbana possa alavancar o desenvolvimento nacional. Examinaremos duas dimensoes destes passivos. Tomemos, em primeiro lugar, as consequencias desta “politica urbana perversa” sobre a mobilidade espacial. Inexistem sistemas publicos e coletivos de transportes urbanos nas metropoles capazes de estruturar o uso e a ocupacao do espaco e, ao mesmo tempo, de se contrapor a submissao ao transporte individual e privado, hoje gerador de enormes deseconomias urbanas. Os ultimos numeros sobre Sao Paulo sao impressionantes: no dia 3 de abril de 2008 o indice de congestionamento atingiu a marca 229 quilometros. Mas, como se era de esperar as consequencias desta irracionalidade nao atingem igualmente a todos. A pressao pela ocupacao das areas centrais resulta da combinacao das transformacoes do mercado de trabalho ocorridas nos anos 1980 e 1990. Suas principais categorias sao o crescimento da ocupacao precaria, informal, transitoria, especialmente no setor de servicos em geral e, em especial, nos servicos pessoais e domesticos, ao lado da reconhecida crise da mobilidade urbana e do colapso das formas de provisao de moradia. Como a riqueza continua concentrada nos municipios polos, pode-se concluir que uma das principais caracteristicas da dinâmica socioterritorial nas metropoles e o conflito pela centralidade na ocupacao e uso do solo urbano. A duas outras expressoes deste conflito sao, de um lado, a imobilidade de parte da populacao trabalhadora e, de outro, a reproducao da precariedade do habitat urbano. Nos ultimos nove anos, com efeito, nas principais metropoles, nada menos de 26% dos brasileiros que hoje vegetam com renda familiar abaixo de R$ 500 trocaram o onibus pelo par de tenis. Outros 13%, pela bicicleta.. Os trabalhadores que conseguem se infiltrar na centralidade metropolitana, trocam a imobilidade pela precariedade habitacional. As favelas sao a sua mais evidente expressao. Nas 15 metropoles, quase ¾ dessas moradias distribuem-se por um raio de ate 10 km, concentrando-se nos polos. As caracteristicas da precariedade habitacional sao a ilegalidade, irregularidade, construcao em solos pouco propicios a funcao residencial, o adensamento da ocupacao da moradia e, em muitos casos, o emprego de parcelas consideraveis da renda familiar no aluguel. Estas caracteristicas nao estao homogeneamente presentes em todas as metropoles, pois sao altamente influenciadas pela historia das formas de producao da moradia popular e do regime urbano prevalecente em cada metropole. As favelas em Sao Paulo, por exemplo, apresentam maior precariedade quanto ao tipo de terreno ocupado e o maior afastamento das areas mais centrais. Maricato (1996) estima que 49,3% das favelas da cidade de Sao Paulo estao localizadas em beira de corrego, 32,2% em terrenos sujeitos a enchentes, 29,3% foram construidas em terrenos com declividade acentuada e 24,2% em terrenos sujeitos a erosao. Embora em areas que permitem a acessibilidade, as favelas de Sao Paulo evidenciam o seu distanciamento em relacao ao nucleo social e economico da metropole. Em compensacao, os corticos parecem constituir estrategia de proximidade, em razao da sua localizacao nas areas mais centrais. Ja na regiao metropolitana do Rio de Janeiro o regime urbano permite acomodacao dos conflitos potenciais decorrentes dos efeitos da segmentacao socio-territorial. Isto e conseguido atraves da configuracao de um modelo onde as favelas localizam-se na proximidade dos bairros que concentram as moradias dos segmentos superiores da estrutura social conforme descrito por Ribeiro e Lago (2001). O segundo aspecto decorre das conexoes entre as tendencias de segregacao residencial e os mecanismos de reproducao das desigualdades sociais. A utilizacao da cidade como fronteira amortizadora dos conflitos implicou na instituicao de um regime dual de bem-estar, combinando a variante “familisticomercantil” (ESPING-ANDERSON, 1995), com um seletivo Estado de Bem-Estar Social. De fato, a cidade como fronteira implicou na transferencia para as familias (e para as comunidades) as principais funcoes da reproducao social. Um dos pilares fundamentais deste regime foi a mencionada pratica da perversa politica urbana de tolerância total com todas as formas e condicoes de ocupacao da cidade, tanto pelo trabalho quanto pelo capital.. A fisionomia, a vida social, a organizacao social do territorio, enfim todos os aspectos da nossa realidade urbana vao expressar as varias facetas deste regime de reproducao social. Em resumo, as metropoles que apresentam expressivos tracos das forcas produtivas requeridas pelo novo modelo de desenvolvimento, geram, simultaneamente, condicoes de vida e estruturas sociais bastante desfavoraveis para a coesao social.
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