Manifesto de Curitiba: pela Prevenção Quaternária e por uma Medicina sem conflitos de interesse

2014 
Nos, medicos de familia e comunidade reunidos no I Seminario Brasileiro de Prevencao Quaternaria, trazemos o seguinte manifesto em prol de uma Medicina isenta de conflitos de interesses e imbuida de profissionalismo no seu sentido mais pleno. Estamos baseados nos seguintes pressupostos: Codigo de Etica Medica 1 II - O alvo de toda a atencao do medico e a saude do ser humano, em beneficio da qual devera agir com o maximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional; IV - Ao medico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho etico da Medicina, bem como pelo prestigio e bom conceito da profissao; V - Compete ao medico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso cientifico em beneficio do paciente; IX - A Medicina nao pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comercio; XIV - O medico empenhar-se-a em melhorar os padroes dos servicos medicos e em assumir sua responsabilidade em relacao a saude publica, a educacao sanitaria e a legislacao referente a saude; XXIII - Quando envolvido na producao de conhecimento cientifico, o medico agira com isencao e independencia, visando ao maior beneficio para os pacientes e a sociedade; ... E vedado ao medico: Art. 68. Exercer a profissao com interacao ou dependencia de farmacia, industria farmaceutica, otica ou qualquer organizacao destinada a fabricacao, manipulacao, promocao ou comercializacao de produtos de prescricao medica, qualquer que seja sua natureza. ... E vedado ao medico: Art. 104. Deixar de manter independencia profissional e cientifica em relacao a financiadores de pesquisa medica, satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens pessoais. Conceito de profissao enquanto compromisso com valores profissionais Uma profissao e: 1. livre da influencia do comercio e do Estado e 2. responsavel pela sua propria educacao e estrutura de conhecimento 2 E conceito de Prevencao Quaternaria 3 “ Acao feita para identificar pacientes em risco de sobremedicalizacao, para os proteger de mais intervencoes em saude e para lhes sugerir intervencoes eticamente aceitaveis” (Adaptado de Jamoulle e Roland, 1995) Portanto, nos, medicos defensores da prevencao quaternaria em qualquer nivel de atencao a saude, defendemos os principios bioeticos em prol do melhor e do mais aceitavel para a populacao: − Nao-maleficencia: partindo do pressuposto hipocratico de “em primeiro lugar nao causar dano” ( primum non nocere ), sempre levaremos em conta o fato de que, quanto maior o risco de causar dano, mais embasado cientificamente e isento de interesses diversos do cientifico deve ser o procedimento em questao para que este possa ser considerado um ato eticamente aceitavel, mesmo que para tal se faca necessario questionar aspectos metodologicos e conflitos de interesses em protocolos e diretrizes (muitas destas tidas como conhecimento inquestionavel, porem gerado sob uma perspectiva comercial), sempre pautados na melhor evidencia cientifica isenta disponivel, e evitando ao maximo a “ Disease Mongering ” (promocao da doenca), a transformacao de fatores de risco e eventos fisiologicos em doencas, a medicalizacao desses eventos ou o excesso diagnostico, que podem por a pessoa em risco de estigmas e danos posteriores. − Beneficencia: pensando no melhor para o paciente (do grego pathe – sentimento –, com seus desdobramentos no latim patientem – aquele que sofre –, e pax – paz, paciencia), estaremos em busca sempre das melhores e mais adequadas evidencias cientificas livres de conflitos de interesses para promover a saude das doencas, com o minimo de intervencoes possiveis. Significa que buscaremos desenvolver acoes proativas “para o bem do paciente”, livres de influencias externas, lembrando que condutas expectantes ou mesmo a desprescricao tambem sao acoes proativas para o beneficio das pessoas. E o efeito benefico envolve tambem proteger as pessoas de informacoes inadequadas e reduzir a angustia causada pela Disease Mongering , alem de fornecer informacoes adequadas a essas pessoas para que elas mesmas pesem riscos e beneficios e tomem suas decisoes por meio da persuasao puramente profissional-relacional, visando ao melhor resultado possivel para aquela pessoa. − Autonomia: a autonomia ou autodeterminacao envolve dois aspectos durante o estabelecimento da relacao medicopaciente: 1. capacidade para atuar deliberadamente, o que envolve razao e discernimento para decidir entre as alternativas que lhe sao apresentadas e 2. liberdade, no sentido de estar livre de qualquer influencia controladora para a emissao de um posicionamento. 4 Portanto, e nossa premissa empoderar a populacao com as informacoes mais confiaveis possiveis para a tomada de decisao conjunta diagnostica ou terapeutica, sem manipulacao nem coercao, mas com a avaliacao correta de riscos e beneficios, em especial naqueles procedimentos onde ainda ha fraco embasamento cientifico e onde ha fortes influencias de industrias farmaceuticas ou de produtos medicos-hospitalares, e mesmo de corporacoes com interesses mercantilistas, indo de encontro aos principios aqui discorridos. E nossa premissa tambem tornar as pessoas conhecedoras para uma melhor tomada de decisao, ja que o conhecimento, e nao a desconfianca, e a melhor ferramenta para a prevencao quaternaria. 5 − Justica: tambem e nossa premissa, enquanto promotores e defensores da prevencao quaternaria, a luta pelo acesso equânime, justo e apropriado aos recursos em saude, denunciando a mercantilizacao da saude e o uso do sistema sanitario para finalidades diversas do beneficio das pessoas, reforcando que justica e acesso nem sempre estao relacionados as “ultimas novidades tecnologicas em saude”. Nos nao cuidamos de orgaos. Nos nao promovemos doencas. Nos nao superestimamos fatores de risco. Nos cuidamos de pessoas, e pessoas nao sao numeros, escores, fatores de risco e nem meros objetos de intervencoes. Nos somos cautelosos com resultados surpreendentes de publicacoes cientificas, pois dados podem ser manipulados para diagnosticar sintomas menores ou fatores de risco e assim reduzir os pontos de corte do diagnostico de uma doenca, bem como para criar “pre-doencas”, aumentar o espectro de medicalizacao e gerar de forma perniciosa lucros para a industria farmaceutica. 6 Nos respeitamos o tempo na ciencia e respeitamos a linha do tempo da relacao medico-paciente, pois o aspecto relacional na atencao em saude sempre prevalecera sobre o aspecto populacional. Por todo o exposto, apontaremos sempre as industrias e corporacoes mercantilistas da saude com seus “achados extraordinarios”, lutaremos contra a criacao de estigmas e rotulos nas pessoas, lutaremos contra o excesso diagnostico e terapeutico, promovendo habitos saudaveis pautados na ciencia medica, livres de conflitos de interesses e de vieses de publicacoes puramente deterministas ou causais, mas acima de tudo promovendo uma boa comunicacao com as pessoas para que elas possam tambem aprender a se proteger do excesso de intervencoes em saude. E nosso papel advogar pela legitimidade na relacao profissional-paciente, reconhecendo as incertezas inerentes a ciencia medica em si. Devemos orientar o cuidado de forma nao normativa, apoiando-se em evidencias isentas e permitindo o feedback do paciente, de modo que ele possa interpretar e ajustar a decisao para si enquanto protagonista do seu cuidado. Curitiba, novembro de 2013.
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